Qual o problema de ser um filho que cuida bem da mãe?
O problema é que se você está dando muita atenção para sua mãe, significa que você não está vivendo uma relação de amor, entrega, tesão e paixão com sua esposa. Ou, se você ainda é solteiro, deveria estar focado em achar uma companheira, e não cuidando da sua mãe.
É incompatível. Não tem como mergulhar em uma vida de adultos, com muito sexo, confiança, prazer se a todo momento você tiver que pensar, se preocupar, ou cuidar da sua mãe. Tira o foco e é brochante demais.
Há processos que exigem foco, senão não rolam. Tudo bem você ajudar as pessoas esporadicamente -- e ainda assim, espero que não seja daquelas doenças ou acidentes que o subconsciente da pessoa atrai só para ganhar atenção. Mas não devia fazer parte da rotina. Em um cotidiano ideal os adultos são saudáveis e independentes.
Como assim??? Eu devo tudo à minha mãe, essa mulher é uma santa, ela abriu não de todos os sonhos para cuidar de mim, tenho uma dívida enorme que nunca poderei pagar, é claro que sempre farei tudo que estiver ao meu alcance por ela e você com certeza é uma pessoa muito má, invejosa, rancorosa, para insinuar que um filho deveria dar às costas à pessoa sem a qual literalmente eu não estaria vivo.
Percebeu o drama? Carreguei um pouco nas cores, mas é mais ou menos assim.
Talvez você esteja desconfiado que eu possa ter razão, e permita-me tentar explicar.
Adultos saudáveis não têm filhos para suprir carências emocionais. Para dar um sentido pra vida e trazer alegria a um casamento falido. Para ter quem cuide deles na velhice. Para se sentirem queridos e amados. Para ser arrimo financeiro, garantia de provisão de dinheiro, de atenção, de apoio. Para que os filhos realizem o que os pais não conseguiram. Para perpetuar um legado da família, seja material, moral, emocional.
Adultos saudáveis têm filhos pelo prazer de ter, pela alegria do processo, da convivência. Mas eles não criam filhos tendo objetivos do que o filho terá que ser fazer executar dar conta. Nenhum pai deveria jogar tantas responsabilidades sobre alguém, ainda mais nos ombros do próprio filho, um bebê, uma criança que cresce sob a maldição de ter que realizar o que os pais não conseguiram.
O que dizer dos coitados que foram batizados com nomes de imperadores, césares, reis, rainhas, generais. Pobres pessoas que já nascem com uma sina pesada da expectativa do que os pais querem pra eles.
Em um casamento saudável homem e mulher se amam muito. Têm muito sexo, paixão, amor, satisfação, dinheiro, amigos, abundância. Filhos e filhas não servem de muleta pra nada, nem ocupam papel de cônjuges, nunca ficam na mesma altura que os pais, não são comparados com o pai ou a mãe. Eles podem ser sempre apenas os filhos.
Em uma estrutura familiar saudável, um casal cria os filhos para que eles se tornem autônomos, independentes. Para que os filhos não precisem dos pais, para que os pais não precisem dos filhos. Nada impede que se vejam, que haja amor carinho encontros familiares. Mas é bem diferente de um precisar do outro.
Você acha que não tem nada de errado em ser o filho que é sempre o motorista da mamãe? Levando a mamãe para fazer compras, ou levando ou buscando dos lugares? Consertando coisas da casa dela? Ficando um tempo a mais com ela porque ela está com saudades?
O que sua esposa ou namorada pensa disso? Ela não sente saudades de você, não gostaria de estar aproveitando o tempo com você, com amor, tesão, paixão?
Ah, não tem namorada nem esposa... por que será? Claro, já tem uma mulher ocupando tempo e espaço na sua vida.
Tem coisas que exigem foco, não tem jeito.
Eu estou na casa dos meus pais. Meu pai fez uma cirurgia no início do ano, eu vim pra cá para ajudar a cuidar -- e não pensem que estou feliz com a situação, eu vejo os rolos e ganhos indiretos, mas tenho me esforçado para ir desfazendo.
Uma das situações é não ter privacidade, não tenho um quarto só meu. Eu ficava com o notebook na mesa da cozinha, e minha mãe estava sempre me pedindo algo.
Eu tinha várias horas para mim. Mas não com foco e tranquilidade. Até que uma hora decidi ir para a edícula que fica o fundo do terreno, um local muito quente, com goteiras, pintura descascando. Mas depois que me isolei lá comecei o Kalista, conversei com pessoas que me inspiraram com ideias profissionais, fiz meus primeiros atendimentos como terapeuta corporal, começaram a aparecer homens bem mais interessantes nos meus apps. Inclusive, ontem apareceu um que é alto, branquelo, magro mas não seco nem bombado, bonito como um mocinho de filmes de ação entende de tantra, bdsm, é dominador, morou por três anos num dos lugares mágicos da Terra.
Do jeito que eu descrevi na minha Lista de Desejos.
Não acho que seja O meu cara porque é muito improvável esse homem querer ser monogâmico. Mas para me divertir eu também não sou, então tudo bem.
Só estou exibindo pra dizer que cortar o cordão umbilical com os pais, ser capaz de criar um afastamento, é essencial para a vida fluir.
Minha mãe não é inconveniente, longe disso. Mas simplesmente faz parte da ordem natural da vida de adultos, energeticamente, animicamente, que um adulto tenha uma vida separada dos pais para que possa seguir seu caminho.
Estou morando com eles, ajudo em tarefas domésticas, faço algumas compras. Mas tenho criado bastante tempo de isolamento e sendo capaz de falar alguns nãos. Meu pai está tratando um câncer. "Você pode ir com a gente amanhã no ambulatório para aprender com a enfermeira?", "Mãe, acho melhor ir só vocês dois, assim você aprende como faz. Enquanto eu estiver aqui ajudarei no que puder, mas talvez em breve meu trabalho me leve a mudar de cidade", "Mas eu queria que você visse", "Você me explica o que tiver de importante ou novo. Qualquer coisa, filma e me mostra depois".
Minha mãe não sai com uma cara feliz. Ela sai com uma expressão triste, um pouco amarga e decepcionada. Mas passa. E desenvolve a autonomia deles como um casal, eu não vou me firmando como muleta ou pilar.
Eu não fico feliz também, e dá um sentimento ruim -- por alguns minutos -- ter falado não pra minha mãe. Mas acredito totalmente na importância de desenvolver a autonomia deles, a minha. Porque eu quero viver apaixonada com um homem maravilhoso. Como ele pode aparecer na minha vida se eu estiver me enrolando em teias e mais teias de obrigações por me sentir culpada ou com dívidas?
Meus professores do OCE falaram que davam risada na reunião dos pais de alunos, das mães que reclamavam que queriam receber mais informações sobre a agenda dos filhos, lições, calendário de provas. A Tábita dizia "eu falei que queria receber menos informações. E ficava pensando 'mano, essas mães e pais que ficam pedindo para saber mais, para poder controlar e acompanhar mais, esse pessoal não transa, não? Não tem como. Se você tem esse grau de envolvimento e controle na vida do seu filho, como fica o tempo para a sua vida como adulto, como casal?".
Estou afirmando de novo. O problema de ser um filho ou filha muito zeloso pelos seus pais, ou extremamente amoroso, cuidador -- é que você abre mão da sua vida. De focar em você, de buscar a SUA felicidade, o SEU sucesso profissional, a SUA realização.
Qualquer trabalho que você fizer, você sabe qual é a diferença entre poder focar por horas, ou ser interrompido a todo momento. No trabalho de construção da SUA vida, SUA felicidade, em focar em atrair e construir um relacionamento com um parceiro ou parceira é a mesma coisa. Não tem como fluir bem, tanto para encontrar quanto para se entregar, tirar armadura, se conectar com entrega, paixão -- se a toda hora você tiver que lembrar da sua mãe ou do seu pai.
Não dá.
Essa é uma etapa em que os pais já teriam que ter se tornado desnecessários.
E como muitos pais se sentem apavorados com a ideia de não ter mais o filhinho ou a filhinha por perto, o subconsciente das pessoas inventa os piores subterfúgios, incluindo doenças e acidentes, para forçar os filhos a continuarem suprindo aquela carência.
Você acha que é exagero?
Mas conhece algum casal que vive com muito tesão, paixão, entrega, cumplicidade, sendo que ao mesmo tempo eles estão sempre cuidando dos pais ou dos sogros?
E você quer viver sendo pra sempre filhinho da mamãe, filhinha do papai (pra sempre é até você morrer, porque quando uma pessoa não resolve isso emocionalmente, nem a morte dos pais muda o status de ser alguém com o coração fora do peito. A mãe pode morrer e você continua resguardado, inventando tarefas e desculpas para não se entregar à parceira). Ou você quer viver uma vida esplendorosa, cheia de paixão, tesão, alegria, prosperidade, abundância?
É preciso cortar o cordão umbilical.
Vou escrever mais sobre como esses laços se formam, e ideias de como romper.