As mães e os pais que incentivaram os filhos a entregarem os corações em bandejas de prata


Fora alguns casos patológicos, não é nada que uma mãe ou um pai faça com a consciência das consequências.

  • Ela é uma mulher que não se sente plenamente amada, cuidada, valorizada e protegida pelo marido. Alguém que tinha muitos sonhos, mas a maternidade, em geral não planejada, mudou a rotina radicalmente, tanto porque ser mãe é realmente difícil, quanto pelas ideias de que ser mãe é se sacrificar e fazer TUDO pelo seu filho.
  • Sem rotina de paixão e romance. Sem amigos. Sem hobbies. Às vezes sem trabalho externo, só os domésticos, profissão mãe 100% do tempo. Sem sonhos como mulher, como ser humano.

Adivinha o que sobra na vida dessa mulher?

E repare que o que descrevi não é o caso de mulheres especialmente traumatizadas e infelizes e sim, se formos bem honesto, é a situação da maioria das famílias. O casamento pode ter amor e felicidade, mas paixão-tesão-romance-satisfação-intensa não faz parte da rotina da maioria dos casais depois dos primeiros anos, e ainda mais depois de ter filhos. 

Existe o mito de que depois dos filhos nascerem, chega dessas bobagens de adolescente, sejamos adultos e vamos focar na criação dos filhos, mas essa postura é antinatural -- os seres humanos PRECISAM se sentir plenamente amados, a mulher precisa se sentir totalmente segura, protegida, valorizada, o homem precisa de uma companheira com quem ele possa ser doce, protetor, e cujo olhar amoroso faça ele se sentir grande, forte e capaz. E toda essa dinâmica precisa ter a energia sexual, o prazer físico -- a vida toda. 

Claro que as pessoas podem viver de outras formas, sem paixão-tesão-romance. Mas isso vai causando rachaduras e corrupções diversas, inclusive doenças e outros perrengues.   

Mesmo quando a mulher é alguém que conseguiu  manter a profissão, o mais comum é se sentir frustrada na vida amorosa com o marido. Mesmo que tenha amigos, se não tiver paixão e tesão pelo marido, o mais provável é focar sua energia no outro homem que vive perto dela e com quem há tantos sentimentos intensos.

Claro, essa é uma química que não acontece todas as vezes. Mas dá para imaginar o caldeirão de sentimentos de amor e orgulho daquele bebezinho que vai crescendo, se desenvolvendo. Mesmo que ele não seja afetuoso e carinhoso, só de saber que ele é um pedaço de você sobram motivos para querer ter sempre por perto. Muitas vezes o bebê se torna uma criança carinhosa, "mamãe, você é tão linda, te amo tanto", mas mesmo quando é a personalidade não afetuosa, é comum desenvolver  a postura protetora "mãe, eu cuido disso, eu resolvo isso, eu faço pra você". 

A postura fria, ausente, incompetente do marido alimenta o lado mulher-guerreira, tirano da esposa e vice-versa. Não há um mais culpado do que o outro, e sim uma dinâmica de complementares, em que as deficiências de um alimentam as deficiências do outro. O marido gostaria de lidar com uma mulher doce, receptiva, alegre, fogosa, capaz de se vulnerabilizar, de se abrir, de fazê-lo se sentir forte, grande, poderoso, masculino. A mulher queria um marido forte, que protege e se responsabiliza pela família, com quem ela se sente segura em todas as dimensões, mas que ao mesmo tempo fosse carinhoso, tarado, ativo, masculino, doce, capaz de se entregar e se vulnerabilizar.

O marido não está suprindo as necessidades da esposa, a esposa não supre as do marido. Mas quando surgem os filhos, as crianças muitas vezes preenchem esses nichos, de forma inconsciente.

Não estou falando de incesto, ainda que eu conheça casos de incesto, de mãe que seduziu o filho sexualmente. E estou falando isso com neutralidade e humildade, porque na minha terapia de registros akashicos, me disseram que eu já fui uma mãe que seduziu o filho -- quando uma das minhas Chamas com quem tenho conexão sexual aparece na minha vida, não importa se era filho, irmão, se eu era casada, se ele era casado, se eu tinha um "dono" que falou que me mataria se eu ficasse com outro homem, se era meu professor 40 anos mais velho... nada segurava.

Mas voltando ao caso, o filhinho da mamãe percebe o desequilíbrio dentro de casa, o quanto a mãe cuida de muito mais coisas, se sacrifica mais, enquanto o pai parece ausente, aéreo. Isso quando tem pai, porque às vezes é o marido que passa muito tempo fora de casa, ou as famílias sem marido mesmo.

A criança não tem como saber que a própria mulher atraiu aquela situação para si, ao assumir a postura de mulher-guerreira. Ele só pode ver o quanto a mãe trabalha e se sacrifica, e assim vai alimentando a culpa e a sensação de dívida eterna para aquela mulher tão forte e abnegada.

Uma dívida eterna.

Com as filhinhas do papai, eu acho que a dinâmica funciona assim: 

  • A mãe vive sobrecarregada, tensa, estressada, cansada. Marido que não é capaz de suprir a família o suficiente para pagar uma babá, ajuda, conforto. Mãe-guerreira tentando dar conta de tudo, sobram momentos para estar nervosa, para não dar atenção ou gritar com os filhos. 
  • Homem embrutecido que não consegue se entregar emocionalmente para a esposa, ou com quem os atritos da rotina causaram gastura, distanciamento. Ele pode também ser um filhinho da mamãe, que não consegue se entregar porque o coração dele ficou com a mamãe.Com a esposa ele é frio, rude, impaciente, mas com a filha é outra história. Ao mesmo tempo, a esposa não consegue satisfazê-lo, nem no campo sexual, nem no campo emocional.

Adivinha quem é a mulher mais próxima capaz de alimentar toda essa dinâmica? 

Isso sem precisar entrar no abuso sexual e incesto, ainda que exista, tanto de pais estuprando filhas, quanto de mães estuprando filhos.

Mesmo sem precisar entrar no terreno sombrio dos abusos sexuais, repare nessas frases tão inocentes e comuns: "Não, meu anjo, não precisa chorar, vem aqui no colo do papai", "um pesadelo, meu raio de sol? É claro que eu fico com você, vou colocar um colchão no seu quarto e ficarei aqui a noite toda, eu protejo você, cuido de você", "mamãe estava um pouco cansada, por isso ela gritou com você, mas está tudo bem. Mais tarde eu te levo na sorveteria, você pode tomar quanto sorvete você quiser".

São exatamente essas as lembranças da minha infância. Meus pais me amaram muito, minha mãe me amou muito, mas as coisas que lembro são dela cansada, gritando com a gente. Uma vez ela atrasou muito tempo para nos buscar na escola, eu e minha irmã ficamos com tanto medo, eu tinha 7, minha irmã 9, o tempo foi passando, todo mundo foi embora, só a gente estava lá, ventava frio, caíam muitas folhas da árvore. Quando minha mãe chegou, a gente entrou no carro e começou a reclamar "mãe, por que você demorou tanto, a gente estava com medo", e a reposta dela foi "cala a boca". E a gente calou.

Enquanto isso, na papailândia, minhas lembranças são de estar no colo dele enquanto os adultos jogavam buraco, dele deixar eu comprar a carta para ele e me dizer que eu dava muita sorte para ele, que ele jogava melhor comigo do que quando estava só ele e minha mãe, do meu pai andando com a gente na rua e pegando as sacolas das nossas mãos para ele levar, dele sempre fazer questão de colocar a gente do lado oposto da sarjeta e dizia que era para nos proteger, do meu pai chegando em casa nos fins de semana com presentes, papel de carta para a nossa coleção, dele trazendo doces, dele levando a gente no mercado nos fins de semana e dizendo que podíamos escolher o que quiséssemos. Já minhas lembranças de compras com a minha mãe são de "parem de pedir coisas senão não trago mais vocês comigo".

Minha mãe cuidava muito da gente, se sacrificava tanto para trabalhar e cuidar da rotina. Mas quem fica com os louros do pai mais amado?

Eu fico olhando o Tinder, mais por curiosidade antropológica, estudos de análise corporal, reparar no discurso das pessoas. O que tem de homem separado que diz "e tenho minha princesa (ou duas princesas) que sim, são a prioridade da minha vida e sempre serão / são a razão da minha vida / faço tudo por elas / quem quiser sair comigo terá que aceitar". Vou transcrever um dos últimos que li "Sim, tenho uma princesa na minha vida, o motivo mais puro do meu sorriso, ela é mais importante do que qualquer amor da minha vida. Quero alguém que entenda ...."

Pior que esses pais ou mães que dizem que os filhos são tudo na vida, o sorriso mais puro, a razão de viver "as crianças sempre serão prioridade, entenda" acham que estão sendo muito nobres e corretos, e nem imaginam os nós que estão criando.

Para piorar, na vida de todas as garotas existe um momento em que o papai se afasta fisicamente. Quando a menina começa a encorpar, pega mal deixar ela sentar no colo, abraçar tanto, beijar, carregar. Seu pai se distancia de você, e você não consegue entender o que você fez de errado. E passa a vida inteira sentindo uma saudade rasgada no peito daquele homem que te protegia e te mimava, na maioria das vezes sem nem saber dessa saudade.

Também sei de casos em que o pai não era carinhoso, pelo contrário, era bem agressivo. Isso não impede a formação de uma filhinha do papai. A criança continua sentindo a saudade do pai, a frustração de não ter recebido o afeto, e mesmo que racionalmente sinta raiva, no fundo tem uma garotinha chorando, que daria a alma para se sentir amada pelo pai.

Tenho uma suposição complementar de algo que reforça esse laço entre pai e filha, e tem a ver com a necessidade de se sentir protegida. A mulher tem uma fragilidade biológica inegável. Mulher tem útero e mulher engravida, e não importa que você fosse a guerreira mais poderosa da sua tribo, a gravidez muda tudo, você se torna dependente de outras pessoas para sua sobrevivência. No melhor dos casos você passa a fazer tudo devagar e desajeitada, nos piores você passa meses vomitando como um animal doente. De qualquer forma, muito mais frágil do que uma pessoa não-grávida. E quando sua cria nasce, são anos de dedicação integral só para aquele filhote não morrer, nos primeiros meses você mal dorme. A mulher com um filho não tem como ser independente, ela precisa de ajuda.

Sentir-se protegida é algo fundamental para o feminino, não só para a situação da gravidez, mas também porque sabemos que violência e estupros contra mulheres ou qualquer um que seja mais fraco é algo muito comum.

"Eu protejo você, eu cuido de você, você nunca mais estará sozinha, eu sempre estarei aqui por você" é o tipo de frase que deve mexer com nosso cérebro reptiliano.

Eu choro enquanto escrevo isso. Reconheço que nas duas últimas vezes em que me apaixonei perdidamente é porque um homem conseguiu falar as frases certas que fizeram minha criança dar piruetas de alegria, achando que agora a gente não estava mais sós e abandonadas.

Para ficar bem claro, não estou culpando pai e mãe. A maioria das pessoas viverá a vida toda sem ter ideia dos desdobramentos energéticos e emocionais de viver uma vida, e depois casar e ter filhos, sem se sentir uma pessoa inteira, sem valorizar felicidade, individualidade, tesão, paixão, confiança, entrega.

A infância e adolescência são processos brutais, não importa o quão bons tenham sido seus pais. Nossa alma tem uma natureza selvagem, e todo crescimento exige adequações que causam traumas imprevisíveis, não dá para saber como cada ação vai impactar na mente da criança. Chegamos à vida adulta como uma pilha de ossos espalhados pelo deserto, e passaremos anos, décadas, tentando montar o quebra-cabeça e voltar a ser uma pessoa.

Obviamente há traumas maiores ou menores. A infância será brutal para todo mundo, mesmo que os pais sejam pessoas curadas, inteiras, conscientes, sem grandes ganhos indiretos, sem deficiências que alimentam o filhinho da mamãe, filhinha do papai, ainda assim as crianças precisam conviver com pessoas diversas em vários ambientes. Elas serão impactadas, tanto por esses momentos, como pelos próprios pais. Mas quando os adultos são pessoas curadas e inteiras, a pessoa chega à vida adulta com chances maiores de reunir seus ossos com muito mais rapidez. 


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