Nunca permita ninguém ser folgado com você e sobre beijos de língua nos demônios
Maninho, da próxima vez que alguém te zoar porque você se movimenta diferente, zoe a pessoa.
Geralmente é em público, certo? O bullying costuma ser uma ação covarde feita para uma plateia. Você tem o olhar treinado de um analista, olhe pra pessoa, detecte pontos caricatos dela e faça movimentação corporal, ou expressões faciais, ou trejeitos da forma como ela fala.
Na pior das hipóteses você leva um soco.
Mas, acho improvável você apanhar, ainda mais apanhar muito. E quando você vencer esse medo, será cada vez mais improvável alguém mexer com você, porque você para de sangrar.
Mesmo que você levar um soco, suponho que sua satisfação de não se sentir mais intimidado compensa tudo. Fora que, se você levar um soco, só posso supor que vai fazer parte do seu script, do seu prazer. Quem sabe vai aparecer uma mulher maravilhosa horrorizada como um cara pode ser tão babaca e covarde, vai lá te defender, e vocês se conhecem?
Adoro fantasiar cenas lindas cinematográficas.
E tenho certeza de que tudo que a gente faz para se libertar do medo é bom.
Hoje eu entendo que uma boa parte do bullying que eu sofria na rua era aquela forma mais mocoronga e uga-buga possível de tentar flertar com uma garota. Na escola mesmo nunca sofri bullying, meus colegas de classe nunca foram folgados comigo. O bullying dos meus amigos era do tipo que eu poderia responder zoando eles também, se não estivesse fragilizada. Eu transmitia uma fragilidade de quem pode ser zoada, mas principalmente, eu era uma adolescente bonita, coxuda, com seios, e o homem ou garoto simplesmente queria fazer algo pra que eu olhasse pra ele. Do jeito como na escola, quando o garoto gosta de uma menina cola chiclete no cabelo dela, rouba o estojo.
Quando você parar com auto-bulliyng com você, só posso imaginar que você terá muito mais paz. Mas me permita compartilhar algumas técnicas de guerra.
- Lembre sempre que a maioria das interações com as pessoas é um circo com plateia e que o elemento mais importante é a plateia.
- Em público, seja público ao vivo, seja uma discussão numa rede social, suas ações devem ser pautadas pela plateia.
- Se for brigar com alguém de porrada ao vivo, escolha uma situação com plateia, porque sempre terá gente para dar fim à briga. E seu objetivo não é ganhar, é impressionar a plateia. Mostrar que você não tem medo.
- Se for você contra vários, seja uma briga física, seja uma discussão com um grupo, escolha o mais forte, o líder, e ataque. É sempre fundamental o efeito psicológico em se mostrar destemido.
- Lembre sempre que as brigas não visam situações honradas, equilibradas, isso é uma fantasia romântica de duelo entre cavalheiros. Os entraves de qualquer tipo buscam apenas uma vitória moral, ou no mínimo influenciar várias pessoas a admirarem uma das partes, detestarem outra.
- Lembrando da existência da plateia, saiba que muito mais importante do que o quanto seus argumentos são bons é expor de forma muito gentil e respeitosa. Já vi debates em que a pessoa com argumentos melhores escorregou na irritação ou no sarcasmo e perdeu a plateia. Nesse ponto se você for sempre muito polido, gentil e educado, você vai ganhando a plateia.
- Essa história do gentil e polido vale para discussões mais densas pela internet. Em interações mais curtas, ou ao vivo, você pode se valer do sarcasmo, vou dar um exemplo abaixo. Nas mais longas, como a pessoa não tem o contexto, não tem tons de voz, eu acho melhor jogar no garantido que é a postura gentil polida impecável.
- Claro que nossa atual situação política prova que em muitas situações ser tosco é que ganha a plateia, mas há uma conjuntura pra isso, e suponho que você nunca terá que se conectar com esse grupo de pessoas rancorosas e fragilizadas.
- Esses conselho sobre ser gentil não entram em conflito quanto a zoar quem te zoar. Ainda mais se você fizer com bom humor, sorrindo, não com raiva, a plateia vai amar e achar muito justo. Mas tem que ser imediato, entende? Na hora que o cara te zoar, você zoa ele também, tem que ficar claro pra plateia que é uma reação ao outro. Se você zoar um tempo depois, a plateia pode considerar um ação gratuita e te criticar.
O mais importante e sentir que você não tem mais medo de enfrentar nada.
Se alguém te chamar de aberração, você pode responder algo como "prefiro ter um corpo torto do que um coração podre. Não sei como alguém pode achar engraçado tentar humilhar outra pessoa por uma condição física diferente. Se eu tivesse que escolher entre ter um corpo perfeito, mas ter essa mentalidade tosca e doentia, tenha certeza de que eu escolheria continuar com meu corpo torto".
Frases pra ganhar a plateia.
A plateia também adora indiretas engraçadinhas. Quando você sai pra dançar, se alguém vem tirar sarro de você, responda na lata. Pegue algo do cara e fale "que é isso, meu irmão, estamos todos aqui pra nos divertir, e a gente se tolera... Sei que danço mal, mas por exemplo, acho esses cintos dourados grandões (ou qualquer coisa do que o cara estiver usando, ou algo do jeito dele, da voz, da aparência) o ápice da cafonice..." e olhe bem pra ele, para deixar claro que está falando dele "mas nem por isso saio falando isso pras pessoas".
Entenda: você nunca precisa ficar refém de uma situação. Eu falo tanto da plateia porque nessas provocações, o objetivo é não se sentir intimidado. O bullying é algo... raramente é algo pessoal, de uma pessoa contra você, é mais como um grupo, em geral uma pessoa expressa a agressividade de um grupo, que existe porque você tem essa falta de auto-aceitação, essa fraqueza que faz pessoas mais toscas quererem pisar em cima.
E quanto mais humor você puder insuflar à situação, mais leveza pra você, mais poder. Se sentir acuado, intimidado, envergonhado: isso dá poder pro outro. Assumir quem você é te empodera.
Durante uns meses eu me sentia muito envergonhada, consternada e perplexa sobre meu masoquismo sexual. Mas ele é um pedaço importante de mim. Tão importante que declarei pros meus pais -- sem dar detalhes, mas declarei, para não me sentir com telhado de vidro, e na internet e para amigos falo dele o tempo todo, me divertindo.
Outro dia estava conversando com uma amiga que também passou por abuso, e ela me descreveu uma situação linda. Eu não sei se seria assim comigo, mas no caso dela, ela falou que tinha um imenso prazer em apanhar, mas um prazer maior ainda em inverter a situação e ter um momento em que ela ficava por cima e dava um tapa na cara do homem, que era uma sensação maravilhosa, a melhor sensação que existia. Que ela achava que tinha a ver com a reencenação do trauma dela, e a gente riu muito.
Pensei num exemplo pra você.
Você acha que tem algo errado no seu corpo, na forma como você se movimenta. Você devia gravar um vídeo com roupas bonitas, luz bonita, você dançando. Um texto curto com o nome da sua condição,. E talvez algo como "Mas hoje eu sei que isso não me impede de dançar", "Nasce um Michael Jackson", "Nasci pra brilhar". Seria o tipo de ação para jogar uma bomba de luz capaz de transformar dezenas de demônios em filhotes fofinhos ávidos por carinho.
Qualquer coisa que estiver nas suas sombras, como motivo de vergonha, traga pra luz. Mostre que você não tem medo, que não te intimida.
Tem uma expressão da minha Chama Gêmea. Algum dos textos maravilhosos que ele me escreveu, me explicando coisas sobre os meus demônios, e no fim ele se despediu com "Beijos de língua nos seus demônios".
Abrace sim seus demônios, seus receios. Dê atenção e palco pra eles, mas transmute. Se eles dizem que você é ridículo se movendo ou dançando, faça um vídeo que mostra você se movendo e dançando.
Eu me sentia uma pessoa com tórax de barata, que era nojento e horrível ser masoquista, que eu nunca poderia me mostrar realmente pra alguém porque seria mostrar esse aspecto horroroso de mim. Mas trouxe essa sombra pra luz, e hoje é motivo de muita diversão e prazer.
Não fiz totalmente as pazes com a cultura japonesa. Minha Chama perguntou se eu já tinha pensado em fazer uma tatuagem étnica, descobri que ainda não sentia merecimento pra isso. Mas, graças a ele, comprei um yukata deturpado (um curtinho, esse da foto de abertura), e hoje sei brincar com as ideias e imagens sobre ser gueixa.
Você deve ter uma lista de tudo que te incomoda em você. Pense nas ações de beijos de língua, explosões de bombas de luz.
Tudo que você pensa que é motivo de vergonha: não é.
Tudo que você age sabendo que não tem mais receio de chamar atenção: isso é poder.
Tudo que te inibe, que manda você se encolher, se esconder: investigue. E, assim que puder, joga uma bomba de luz nos diabretes.
Um beijo com muito amor.