Caminhos da vulnerabilidade - sou tão genial que a ralé não consegue me entreter
Acredito de verdade nisso, que tudo são apenas nossas escolhas. Que se você decidir não se vulnerabilizar, não é que você está errando, e sim escolhendo um caminho.
Eu também tenho muita dificuldade em me vulnerabilizar, também tenho um grau considerável de Psicopata e Rigidez que faz eu ODIAR me colocar em uma posição de "desvantagem" na relação com o outro.
Mas estou tentando. E uma das coisas que eu sei é que nessas tentativas, é preciso ter muita força de vontade, a inércia para nos manter na zona de conforto é enorme.
Por exemplo, enquanto a gente enxerga nossas características como qualidades em vez de defeitos, a gente não muda.
Você tem um perfeccionismo que te afasta, te isola das pessoas, das relações. Faz você brigar com seu corpo. Mas você o enxerga como qualidade "sou impecável, esse é meu diferencial. Autoaceitação serve para os outros, mas não para mim". Tudo bem, você pode ser impecável, você é muito boa. Mas essa postura também vai te manter sem amigos.
Nesses dias eu estava pensando nas minhas dificuldades em me abrir e confiar, e cheguei a cogitar a hipótese de que o problema é que há décadas me decepciono nas interações com as pessoas. Que confio muito na minha Chama Gêmea porque ele ouve, acolhe tudo, nunca me julgou, dizia que adora tudo que eu falo, e ainda por cima com frequência me dava insights, coisas que nem eu nem meus terapeutas tínhamos pensado. Que me parece semelhante a o que você descreveu da relação com o homem que você ama.
Bonito, não?
Mas se eu falar "não consigo me abrir com as pessoas porque sou tão genial que a ralé não consegue me entreter".
Daí fica horrível, e fica mais fácil de ver o erro da minha postura, o quanto essa história é nojenta. E estou me julgando, falando nesses termos, para deixar claro pra mim e pro meu subconsciente que eu não quero ser a pessoa que se julga um gênio e que acha que os outros são a ralé. Conscientemente eu NUNCA pensaria nada nem parecido com isso, mas explicitei com essas palavras porque algo do meu subconsciente me bloqueia, e talvez seja uma postura assim.
No seu caso acho que seria "não consigo me abrir porque todas as pessoas são más, desumanas, cruéis, eu sou uma coitadinha, uma doce menina de coração puro mas esses monstros estão sempre me decepcionando e me humilhando". Imagino que deve ter te irritado bastante ler isso, mas se você continuar lendo, vou explicar por que construir uma frase caricata assim.
Quando você fala "tenho dificuldade em me conectar porque o meu nível de exigência acaba me afastando das pessoas", percebe que nessa frase a história parece bonita e aceitável? Você é impecável. Você tem um nível de exigência alta. Isso é nobre, louvável, bonito, porque alguém assim precisaria mudar?
No meu caso, se eu for alguém que é tão inteligente que nas conversas com os outros, raramente alguém me fala algo que eu não sabia, a gente começa a conversar e em vez de uma conversa entre iguais logo estou dando conselhos para os outros -- conselhos que até têm sua utilidade e validade, mas que não criam conexão, se eu não me conecto porque tenho o nobre arquétipo do Lobo, o professor, o que tem a missão de sair para jornadas solitárias, aprender na própria pele, processar, e depois voltar para sua tribo e repassar esses conhecimentos, se sou tão fantástica assim, por que eu vou mudar?
Se eu decidir que quero seguir um outro caminho, tenho que pintar o cenário de outra forma, senão meu subconsciente nunca vai sair da inércia.
Posso escolher entre dois pontos de vista:
1 - Meu animal de poder é o Lobo e faz parte da minha missão ser o professor, ensinar para os outros.
Assim eu vou continuar eternamente desconectada, porque professores não se conectam, não é essa a função deles.
Ou então:
2 - Sou uma metida arrogante frágil, uma mulher de 44 anos mas que em várias dimensões permanece congelada nos traumas da infância. Teve vários momentos em que me senti muito machucada, traída, abandonada, e criei uma armadura para lidar com isso, é uma armadura que me dá a potência de um tanque de guerra, é como se não tivesse nada com que eu não pudesse lidar. Meu irmão dizia que a sensação era de que eu podia recomeçar minha vida de qualquer lugar do mundo. Separação de casamento de 16 anos de muito amor, levei com tranquilidade. Câncer agressivo do meu pai, levei e estou levando de forma exemplar, sendo o pilar, a pessoa que tranquiliza os outros, que lida com situações de enfermagem que minha mãe quase desmaia. Chama Gêmea que me dá o tratamento de silêncio por meses, eu também suporto e ainda transmuto em sabedoria para compartilhar com outras mulheres.
Parece bonito ser tanque de guerra, não? A sedução da força e do poder, de sentir que dá para lidar com tudo.
Mas isso me coloca nessa situação de merda de não me abrir nem com meus terapeutas, nem com meu ex-marido. Ou de ter amigas tão queridas, mas com quem me falta espontaneidade, não sei relaxar e só curtir.
E isso faz muita falta na minha vida. Me mantém afastada da felicidade plena, me faz criar enredos malucos com situações difíceis, como Chama Gêmea que me dá 7 meses de tratamento de frieza, pra eu poder contar essa história sofrida sobre o quanto sou forte.
Talvez você tenha ouvido falar da Mindvalley e do Vishen Lakhiani. Comprei um dos cursos deles e não gostei, não recomendo, mas claro que sempre há informações para se aproveitar.
Uma delas era uma técnica mental em que sempre que você tem um problema, algo que você quer mudar, você se imagina numa situação caricata, dramática, exagerada, horrorosa. E depois você visualiza cenas em que está resolvendo, recebendo respostas, cura, pode ser inclusive de forma simbólica. E depois se imagina com aquela situação resolvida, de uma forma que aquilo beneficia você e pelo menos mais uma pessoa, e quanto mais pessoas beneficiadas, melhor.
Nesta conversa com você, entendi a importância da fase de pensar na questão de forma caricata. Tem a função de chocar o subconsciente, para incentivar a mudança. Se a gente descreve a questão de forma razoável, não grave, ou até com sua beleza, "tenho um alto grau de exigência", "meu animal de poder é o Lobo e minha missão é ensinar" -- se é bonito assim, por que raios eu precisaria mudar?
Eu só vou mudar se conseguir enxergar que estou agindo como uma nojenta que acha que é tão genial que a ralé não consegue acompanhar minha sagacidade e profundidade, e que a função dos outros é me entreter, me dar insights, me divertir, me impressionar.
Quando não me abro, estou sendo uma mimadinha que acha que os outros deveriam me entreter, ou uma criancinha tão machucada que vive numa armadura que não consegue largar e acha que os outros estão sempre me machucando, sem conseguir enxergar que ninguém me humilha ou me machuca, e sim que apenas ressoa nos machucados que eu tenho. Quando sua pele está inteira, está tudo bem com seu corpo, você faz as tarefas normalmente. Mas se você tem um corte na mão, o tempo inteiro você fica lembrando do machucado, porque lá é sua fragilidade.
Mas eu sou inteligente. E consciente dessas posturas, vou encontrar uma forma de mudar minha energia na relação com as pessoas, mudar minha vibe de "lobo professor, o que dá conselhos, o que sabe tudo". Na próxima conversa com uma amiga, quero ser capaz de respirar fundo e me conectar com algo autêntico de uma alegria ou de uma tristeza, e compartilhar.
E não vou dizer que é isso que você devia fazer. Não existem caminhos errados, apenas escolhas. Só gostaria de mostrar para as pessoas que são sempre escolhas, que o poder de mudar as nossas vidas está nas nossas mãos, basta criarmos a estrutura mental certa. Enquanto eu acreditar que o problema é que sou tão inteligente que as pessoas nem acompanham meu raciocínio, muito experiente, profunda, sábia, gênio incompreendido, ou então que eu não me abro porque as pessoas é que são más, me humilham, me decepcionam e que eu sou uma pobre vítima delas -- eu continuo isolada das pessoas.
Acabei de ter uma ideia.
No meu caso, talvez o que ajude é recuar.
Quando fiz a constelação em que o terapeuta me fez enxergar que eu me via como grande perto dos meus pais, ele me explicou que eu precisava recuar e parar de achar que era minha obrigação resolver os problemas deles.
Talvez isso ajude na relação com amigos também. Eu tenho esse grande defeito de ouvir o que as pessoas me falam e imediatamente pensar no que é o erro de raciocínio, onde elas estão se enganando.
E eu falo isso pra elas.
Mas isso é rude, e um erro, porque no geral elas não pediram minha opinião. E mesmo quando pedem, eu tenho que ser capaz de falar com muito mais delicadeza do que "você está tentando se enganar". Talvez se eu conseguir enfiar na cabeça que não é porque estou vendo o que eu acho que é uma falha de raciocínio eu tenho que falar, que eu preciso recuar, assim como fiz com meus pais e parar de achar que eu sei mais do que eles, isso amenize a petulância do ar professoral.
Sei que é isso que
estou fazendo agora, que faço isso no blog o tempo todo, mas essa nossa
troca de mensagens não interpretei como amizade, e sim que você queria
minha opinião de terapeuta.
No seu caso, acho que sua principal questão é se ver como vítima de pessoas que te decepcionam e te humilham. A gente conversou bastante sobre isso, mas você falou de novo dessa forma, que as pessoas te decepcionam e te humilham, em vez de "eu tenho traumas e fraquezas que criam situações em que as pessoas falam coisas que, para outras pessoas não seria nada, mas que pra mim soam como humilhação". Enquanto você acreditar que as pessoas te humilham, elas sempre vão te humilhar, o poder está sempre com elas, você é só uma vítima de pessoas más. A única possibilidade de parar de acontecerem essas situações é se você aceitar a ideia de que você atrai essas situações, por fraquezas suas.
Sei que é algo difícil de engolir, mas pretendo escrever mais sobre esse meu ponto de vista, que não estou dizendo que é a verdade universal, é apenas uma forma de enxergar a situação, que me empodera. E gosto de compartilhar porque acredito de verdade que felicidade ou tristeza só depende da estrutura mental que a gente escolhe viver.
Obrigada pela conversa. Essa breve troca de mensagens com você me ajudou nas reflexões desses dias.
Um beijo com muito carinho.
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