Um ponto de vista polêmico sobre a tragédia da Covid no Brasil e os bolsonaristas
Não votei no Bolsonaro. Pra mim o Bolsonaro é um pesadelo que se tornou realidade. Ao mesmo tempo, não sou petista, e também teria várias críticas às decisões do partido. Na verdade, há anos me afastei de discutir política, mas achei que seria o caso de compartilhar alguns pensamentos sobre como e por que alguém conseguiria não se contaminar com ansiedade, pessimismo e ódio pela situação atual.
Durante uma fase da minha vida eu era bem conectada com notícias políticas, econômicas e sociais. Não seria difícil fazer uma pesquisa e escrever um texto trazendo diversos números de pesquisas que comprovam o que vou falar, mas isso demandaria muito tempo, então vou falar de forma superficial, e se tiver curiosidade você pesquisa e encontrará os números.
O Brasil é um país com uma estrutura de sociedade em forma de pirâmide, uma imensa base de pessoas pobres, analfabetas, massacradas, que vivem em condições precárias, sem nem saneamento básico, tendo que lutar muito só para ter o que comer.
A maioria da população brasileira é pobre, com uma péssima formação escolar, uma porcentagem enorme de pessoas que são analfabetas funcionais. Agora a maioria das pessoas tem celular e WhatsApp e pode receber fake news, mas essa maioria de pessoas entende memes, não textos longos cheios de referências.
Uma porcentagem cada vez maior da população brasileira não tem uma figura masculina na família, um dado que no geral se traduz em condições econômicas bem mais precárias do que se houvesse um casal. Este eu fui buscar um dado: 45% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres, e em 57% desses lares não há uma figura masculina. https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2020/02/16/internas_economia,1122167/quase-metade-dos-lares-brasileiros-sao-sustentados-por-mulheres.shtml
Cerca de 50 mil pessoas são assassinadas no Brasil por ano. No ano passado foram 44 mil. A maioria numérica são jovens pretos e pardos de periferia, mas temos números bem expressivos de feminicídios, assassinatos de gays e transgêneros, de pessoas que lutavam por causas sociais e ecológicas.
A maioria da população brasileira é religiosa, moralista, e tem zero de educação sexual. Mais de 50% dos nascimentos no Brasil aconteceram por um oops e não por ter sido uma gravidez planejada, o que combina com a quantidade crescente de lares em que não há um casal, porque a história começou toda torta, e cada vez mais casais entendem que o filho não é motivo para casar ou manter o casamento. Com proibição do aborto e zero de educação sexual, a gente continua alimentando esse quadro de tantas mulheres que têm a vida virada de pernas pro ar por uma gravidez não planejada, e tantas crianças que crescem em lares com estrutura precária.
A maioria da população brasileira é profundamente neurada, com histórias de vida marcadas pela violência, pelo descaso, por injustiças, por abusos sexuais, por uma relação com a sexualidade carregada de machismo, ignorância, culpas e traumas.
A maioria da população nunca ouviu falar de subconsciente, nem tem a menor ideia de para que serve.
A maioria da população nunca fez e nem fará terapia.
A maioria da população brasileira é religiosa, cristã, e cada vez com uma porcentagem maior de evangélicos com posturas a favor da castidade feminina, contra o aborto, contra a homossexualidade, contra educação sexual. Gente que acredita e defende que casamento serve para procriar, que homossexualidade é aberração da natureza, que a mulher deve servir o homem. Que liberdade sexual é pecado -- não só evangélicos, já fui a eventos católicos com faixas enormes escrito "Camisinha é o instrumento do demônio". E espíritas que dizem que sexo sem amor, sexo só pelo prazer, é uma situação em que há diversos vampiros sexuais se aproveitando de você é uma versão da história do demônio.
Pensa nesse perfil social e moral.
Agora imagina o que é essas pessoas recebendo nos grupos de WhatsApp fotos como estas, dizendo que a vitória da esquerda significa a proliferação deste tipo de comportamento:
Pra ficar bem claro: eu sou TOTALMENTE a favor da nudez e da liberdade. Pra mim essas mulheres têm todo o direito de saírem nuas, de pintarem o corpo com mensagens políticas. Mas eu também entendo bem o efeito dessas imagens na mente conservadora. Uma imagem vale mais do que mil palavras.
A gente vive em bolhas. A maioria das pessoas do nosso círculo social sabe disso e fala "vivemos em bolhas". Mas na hora de analisar a situação, parece que esse fato está esquecido, e falamos do Brasil como se fôssemos todos uma classe média.
Na percepção do que é país por redes sociais, pelo Facebook e Instagram, pode até parecer. Mas isso é uma mera ilusão de rede social, porque numericamente, há uma IMENSA massa de pessoas analfabetas funcionais, pobres, marginalizados, discriminados, violentados, incultos, fortemente manipulados pelas Igrejas, que não se manifestam em redes sociais, que mal sabem ler e não conseguem escrever para discutir. E são tão cidadãos quanto qualquer doutor, com o mesmo direito de voto de um cientista político.
Bolsonaro comete atrocidades sociais, econômicas. A gestão do governo quanto à Covid é uma tragédia global, a situação aqui e as cepas criadas pela incompetência e má fé são uma ameaça pro mundo todo. Não há dúvidas sobre isso.
Ainda assim, ele continua com o apoio firme de 30% da população. Apoio firme, sendo que tem outra parcela que pode não apoiar totalmente, mas na hora da eleição não siginifca que votaria num opositor, pode acabar escolhendo ele de novo.
Eu acredito que isso acontece porque há coisas mais assustadoras do que morrer de Covid, do que o desemprego, o caos econômico.
Pior do que tudo isso é a perspectiva desse pessoal a favor do aborto, da homossexualidade, de transgêneros, de liberdades sexuais até mesmo pras mulheres. De mulher com pouca roupa, de gente que acha que nudez é algo natural, que mulher tem direito de ter suvaco peludo, de ser gorda, de ter cabelo bombril, de mostrar mamilo. A ideia de que um homem pode beijar outro homem na boca em uma novela, ou no meio da rua.
Pense na pirãmide social e econômica do Brasil. Na porcentagem de pessoas religiosas, no poder e crescimento das igrejas evangélicas e no discurso evangélico. Imagine a pessoa pobre, analfabeta funcional, filha de mãe solteira, muitas vezes abusada pelos companheiros da mãe, cheia de desgraças e violências na vida, que tem na Igreja seu único porto razoavelmente seguro -- e o padre fala do quanto a postura liberal é coisa do demônio.
As pesquisas de opinião indicavam Bolsonaro em queda até a passeata de outubro do #EleNão.
As intenções de voto cresceram muito depois da passeata.
Não há como medir isso cientificamente, mas é fato que o pessoal contra a esquerda aproveitou para pegar fotos do Carnaval e mandar pros grupos de WhatsApp e dizer que eram cenas da passeata.
Muita gente não gostava tanto assim do Bolsonaro, mas se a vitória do Haddad significava aquela pouca vergonha, então a decisão estava feita, era preciso barrar esses absurdos. Em nome da família, da moral, em nome de Deus.
Essa é a minha hipótese do motivo da grande força da direita conservadora.
Não importam as atrocidades e barbeiragens políticas: as mudanças nos costumes que a esquerda defende aterrorizam uma grande parcela dessa imensa base da pirâmide que constitui a maioria da população brasileira, uma maioria criada sob a pobreza, a ignorância e violências diversas. E, mesmo entre as pessoas em posição socioeconômica superior: liberdades sexuais, aborto, feminismo, defesa de minorias são temas que horrorizam MUITA gente. A direita tem vários apoiadores que podem não gostar tanto assim dos políticos, mas apoiam porque o discurso da esquerda os horroriza e apavora.
Fora a indústria de fake news para pintar o Bolsonaro de dourado, e a esquerda de demônio. Fora o contexto do PT ter sido retratado como a fonte de todas as desgraças do mundo, um trabalho tão bem feito que muita gente até hoje não se importa em quem está no poder: desde que NÃO seja o PT. PT não. Qualquer um menos o PT. Qualquer um mesmo, pode até ser o Bolsonaro, desde que não seja o PT.
A História mostra como períodos econômicos difíceis favoreceram movimentos sociais que criaram um bode expiatório para a população descarregar seu ódio e frustração, chegando a níveis insanos, desumanizadores. Como o Nazismo. As pessoas têm uma tendência a desejar soluções simples: existe este grupo aqui, bem malvado, nunca nenhum partido roubou tanto quanto ele, ele é a fonte de todas as tragédias no nosso país.
Existe esse ódio pelo PT, combinado com outro desejo infantil da fórmula mágica. "Vou votar no Bolsonaro porque ele representa o novo. É algo novo, contra tudo isso que está aí".
Não importa quem fosse Bolsonaro, ou qualquer que fosse o plano de governo dele. Não importava mesmo. Na verdade, enquanto ele aparecia nos debates, as intenções de voto iam caindo, mas depois da facada, no silêncio e na fantasia cresceu a crença de messias.
Outro dia vi uma fake news que uma conhecida minha, bolsonarista, recebeu e comentou. Dizia que Bolsonaro secretamente montou uma fábrica de vacinas e que está prestes a deixar todo o mundo maravilhado com os milhões de doses que ele vai entregar para a população. "Espera. Você acredita que isso possa ser verdade? Você não lembra o quanto ele ridicularizou a vacina, a máscara? Qual seria o sentido dele ridicularizar, fazer campanha contra, dizer que era perigoso, ineficaz, defender a cloroquina, enquanto secretamente montava uma fábrica de vacinas, qual seria o sentido disso??"
E essa pessoa me falou que não tinha certeza, que não havia repassado essa notícia pra ninguém. Mas não foi capaz de ler e ter certeza de que era fake news. Secretamente, ela adoraria que fosse verdade, para poder esfregar na cara dessa petezada o quanto Bolsonaro é bom, é o Salvador.
Nesse caldeirão emocional, temos também o fato dessa revanche emocional. O discurso da esquerda colocou na mesa a campanha pelo politicamente correto, pelo respeito a negros, mulheres liberais, gays, gordos, orientais.
Muita gente odeia isso. Odeia com todas as forças. Odeeeeia, se sentem humilhados quando são contrariados ou contestados. Já vi várias opiniões que falavam da época de ouro quando você podia falar o que quisesse, e como o mundo piorou com essa merda de respeito a minorias.
Então os apoiadores de Bolsonaro também têm essa força. Todas as vezes em que ele é tosco e desrespeitoso e humilha as pessoas, muita gente se regozija, se sentem vingados por todas as vezes que tiveram que se calar ou alguém lhes disse que é preciso ter respeito por qualquer um, mesmo quando a pessoa não é branco, homem e rico.
As pessoas de classe média com quem você discute são irritantes e têm uma parcela de responsabilidade sim no cenário. Mas elas são uma fraçãozinha de uma estrutura muito mais antiga e monstruosa. É uma decisão deliberada e bem construída de manter as pessoas na pobreza e na ignorância, massa de manobra comandadas pelas Igrejas.
E o que tudo isso tem a ver com as minhas opiniões sobre espiritualidade?
Eu acredito de verdade que o desgaste com as discussões políticas é só mais uma boa manobra para diminuir a força das pessoas. Enquanto a gente se engalfinha nas discussões políticas, os grupos de sempre continuam lucrando milhões.
Faz mais de 30 anos que estou habituada com debates e discussões, desde a adolescência. E minha opinião é de que debates não servem para as pessoas conhecerem opiniões diferentes e eventualmente mudarem de ponto de vista, os debates e discussões públicas são CIRCO. Circo romano. Espetáculo para a plebe. Distração.
Você já bateu boca com algum bolsonarista que mudou de opinião?
Você imagina algum argumento de um bolsonarista capaz de fazer você mudar de opinião?
Então.
Esses embates servem apenas para dispersar e drenar sua energia. Te deixar pra baixo, desfocado, disperso, com raiva. E brochado.
São estados emocionais ótimos para o capitalismo, para as pessoas gastarem mais dinheiro com ópios diversos, ou se enfiarem em afazeres mecânicos que não exigem nada de pensamento, de alma, de coração.
Muita gente que me conhece mais de perto me acha bem fria. E é verdade que consigo ignorar muita coisa.
Não tenho lido nada de notícias de jornal. Não tenho conectado com nenhum sentimento de desânimo e desgraça.
Costumo usar a situação do meu pai como um dos principais argumentos, mas talvez mesmo sem ele eu teria assumido essa postura de distanciamento.
Meu pai chegou a pesar 49kg. Eu desesperei uns meses atrás, quando ouvi a descrição da cirurgia e pensei em todo cenário, tanto dos riscos, das comorbidades dele, do período no hospital, das visitas frequentes ao hospital, idade dele e da minha mãe, Covid.
Foi por esse desespero que cheguei pro meu guia espiritual e me assumi como xamã. E deu certo... apesar de uns meses depois ele ter feito outras escolhas. Acabou tendo cirurgia, semanas no hospital, idas frequentes a ambulatórios.
Acho que eu estaria pirando se tivesse decidido entrar na vibração do medo. Nos riscos pra ele e pra minha mãe, pra gente por extensão agora que vemos tantas pessoas jovens morrendo também. Há meses estamos com frequência em ambientes com alto índice de contaminação. Minha mãe se recusa a usar a N95, só usa máscara de pano, diz que não consegue respirar com a N95. Minha mãe tem um comércio e atende pessoas quando não tem o lock down.
Estou vivendo na minha bolha da magia, e até agora estamos todos vivos. Uma frase que era uma mera expressão, uma brincadeira, mas que se tornou gráfica... tantas mortes, tanta dor. Mas eu não posso entrar nessa sintonia. Eu faço os curativos do meu pai, troco a bolsa dele, tranquilizo minha mãe quando tem os imprevistos ou situações mais tensas. E acho que não poderia fazer essas coisas se tivesse mergulhado em outra vibração.
Este texto não contém nenhum conselho, estou só contando o que tenho feito, e por que acho que o envolvimento emocional com esse pessoal tosco não leva a lugar nenhum. Mas compreendo totalmente quem tem sofrido e sintonizado com a dor e a loucura do cenário.
Só desejo que você consiga sair dessa vibe.
Porque acredito que infelizmente sintonizar com isso não traz nada de bom nem pra você, nem pro mundo.
E porque você é muito mais divertido com tesão do que brochado.
Um beijo com muito carinho.
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