A ilusão do olhar estético e sobre a porra das fórmulas matemáticas da beleza
Eu falei isso várias vezes, mas parece que você não acredita. O que você chama de "sou impecável", "sou rigorosa sim", "tenho um olhar muito apurado" -- essas coisas não são motivo de orgulho. Não teria nenhum problema ter um olhar apurado e rigoroso, se ele fosse neutro. Por exemplo, meus professores do OCE têm um olhar muitíssimo apurado para detectar simetria, proporcionalidade, sex appeal, tipos de olhar, de postura, energia -- habilidades que estou desenvolvendo também.
Mas não tem julgamento. Outro dia vi a análise corporal de uma mulher com sobrepeso, assimétrica, com barriga, papada, sem cintura. A professora descreveu tecnicamente o corpo que estávamos vendo nas fotos, de uma forma muito tranquila. Sem nenhum problema, risinhos, constrangimento, mal estar. De forma neutra. Esses são os formatos desse corpo, e essas formas indicam uma história de vida que faz com que ela tenha tais traços de personalidade.
No caso das análises corporais, a gente pode inclusive falar, entre os alunos: "este corpo tem energia sexual, essa é uma coxa que dá vontade de meter a mão. Este corpo tem uma energia infantil. Este tronco não tem energia, veja como os membros são desconjuntados".
E tudo isso é neutro, são apenas observações técnicas.
Mas não é o seu caso.
Quando você me diz "Não gosto de mulher plus size. Respeito e nunca vou falar para uma moça gordinha que acho ela feia, mas eu acho ela feia, e comento só com o meu marido". Ou quando você diz "detesto esse padrão brasileiro de gostar de bundão, acho horrível, prefiro a elegância do padrão europeu". Tudo isso é julgamento.
Proporcionalidade e simetria são fatos neutros. "Feio", "bonito", "horrível", "de mau gosto" são julgamentos.
Em algumas filosofias orientais existem linhas que falam de um não julgamento profundo, pra qualquer lado da escala, de não se importar com nada, mas esse é um grau que não consegui chegar. Sou capaz de julgar algo lindo, atraente, sexy, fascinante, charmoso. Mas parece que consegui desligar a chave do "feio, esquisito, nojento, de mau gosto, cafona, pobre, está se achando, exibido, metido, vagabunda, gorda, ridícula, periguete, exibida".
E talvez esse grau já seja o suficiente para bastante felicidade.
Sabe a análise corporal que falei? Acho que é assim "ela tem sobrepeso, não tem cintura, tem barriga". Isso é neutro, é só uma descrição de um corpo. É bem diferente de "nossa, como ela é gorda, não se cuida? Como alguém pode viver assim? Se eu tivesse uma barriga dessas, morreria de vergonha".
A gente não é obrigado a gostar de tudo, e temos todo o direito de não gostar de algo. É que no seu contexto é um problema, já que você tem suas questões com autoestima, seus traumas de infância e seus desejos por plásticas diversas. Por exemplo, eu não acho atraente homens de barriga tanquinho, bíceps grande, corpo escultural. Não me atrai, não gosto, é motivo de descartar um cara num app. Mas é apenas isso: não me atrai. Bem diferente de quem precisa dizer "ai, que horror, esses marombeiros. E mulher marombeira então, pior ainda, que coisa nojenta, fica com corpo de homem".
Eu falei isso várias vezes: o tal do seu olhar apurado não é algo neutro, como dos professores do OCE. Ele é um problema grande, porque está impregnado de julgamento de valores do que e feio ou bonito.
Pelo que você me descreveu, você não tem neutralidade. Se você visse a tal mulher analisada, provavelmente pensaria nos vários procedimentos estéticos que ela deveria fazer para ter um corpo mais no padrão, assim como você fica pensando em diversas cirurgias e procedimentos para você, porque você acredita na fantasia de "fórmulas matemáticas" da beleza.
Já tivemos várias conversas, e parece que você não consegue acreditar na importância da subjetividade da beleza. Porque se você realmente entendesse isso, não ficaria na ilusão desse discurso sobre proporção áurea, seu olhar impecável, fórmulas matemáticas. Você acredita nessas ideias para alimentar seu lado tirano sobre os outros, mas principalmente sobre você mesma, para justificar você não se amar e "precisar" fazer plásticas. Não é que você tem traumas e feridas que precisa tratar, é que "meu nariz é desproporcional segundo o parâmetro tal, então preciso corrigir esse defeito da natureza".
Tenho dezenas de coisas pra fazer, pra estudar, pra escrever, mas estou há umas horas lidando com sua resposta. É um tema que considero importante, que quero publicar no blog porque sei que suas dívidas e angústias representam a ilusão de outras pessoas. Porque gosto de você e adoraria te ver livre dessas fantasias, porque acho um desperdício alguém com seu potencial ficar presa em histórias da carochinha.
Então, peço licença para me expressar com palavras bem duras, mas é que já te falei disso tantas vezes de tantas formas e você insiste, que me vejo querendo experimentar outros jeitos de falar, porque talvez você entenda.
Sabe o que estou achando?
Que sua insistência em se apegar ao "tenho um olhar impecável e existem fórmulas matemáticas da beleza para provar a importância da proporção áurea, da simetria e da proporcionalidade" não passam da sua face infantil e medrosa, que está com receio de se ver como adulta, responsável pela própria vida, então você adorou essa muleta de "fórmulas matemáticas da beleza, e eu coitadinha dei azar na loteria da beleza, e só posso começar minha vida depois de fazer 10 plásticas".
Sei que essa foi bem ofensiva.
Desculpe.
Mas já te falei desses temas de forma carinhosa, amorosa, mas você não absorveu. Vou testar chutar sua canela e ver se tem algum efeito. Dizem que quando não é pelo amor é pela dor.
Te falei várias vezes: seu discurso sobre a beleza é uma grande ilusão. Simetria e proporcionalidade são fatos. Magro ou gordo são fatos. Harmônico ou desarmônico são fatos. Mas feio ou bonito são julgamentos, são subjetivos, culturais e pessoais. Algo pode ser belo mesmo sendo assimétrico ou desproporcional, e o que é bonito pra um pode ser feio para outro.
Entenda uma coisa (e, de novo, com licença para ser fina): a merda das fórmulas matemáticas podem provar questões de simetria e proporcionalidade, mas NÃO SÃO sinônimo de beleza, ou do que é atraente.
Simetria é fato. "Bonito ou atraente" é subjetivo.
- O sorriso torto do Psicopata não é simétrico nem harmônico, mas muita gente acha lindo.
- Os olhos grandes e sonhadores do Esquizóide tornam os olhos desproporcionais ao tamanho do rosto, mas muita gente acha lindo.
- As formas arredondas do Oral são infantis, não tem nada de adulto ou sexy, mas muita gente acha lindo.
- A bunda bem grande e redonda não é algo proporcional, quando é natural é fruto de Oral + Rígida, e não tem proporcionalidade ou harmonia alguma, mas muita gente acha lindo e embasbacante.
Eu tenho 58cm de coxa, 43cm de panturrilha. Minha coxa deve ser mais grossa que a sua cintura. Passei anos achando feio, desproporcional, errado. Eu pontuo errado em qualquer tabela de manequins, porque as tabelas com suas medidas áureas e fórmulas matemáticas pressupõem que todo mundo tem um tipo de corpo, e você que assistiu a um monte de material do OCE sabe que não é assim.
Levou 40 anos para eu parar de achar que minhas pernas são feias. Elas são desproporcionais em vários sentidos, mas precisei de homens para me fazerem enxergar "que delícia, que vontade de morder, que gostosura, perfeito pra dar uns tapas, o quê? Claro que falei sério, só alguém insano não iria querer meter a mão".
Os meus lábios são desproporcionais. São muito carnudos, e esse beicinho também é coisa do Oral, o traço infantil. A Rígida tem lábios delineados e levemente carnudos, mas quando é bem carnudo com os meus não estou no caminho da adulta sexy, e sim da criança. Tem vários pedaços meus que pontuariam baixo em diversos parâmetros de fórmulas matemáticas ou critérios estéticos. Isso não impede de muitos homens me acharem bonita e gostosa, principalmente depois que EU passei a me ver como mulher bonita e gostosa.
Simetria é objetivo. Beleza é subjetivo.
Entende por que a porra das fórmulas matemáticas não provam nada?