Por que alguém escolhe o caminho da dor, ou faz escolhas pelo sofrimento?

De vez em quando faço menções às cerimônias com a jurema-preta, a ocasião em que me senti tão conectada com as mulheres mais excluídas da sociedade. Foi um dia cheio de sinais e coincidências,  mas para resumir uma história comprida, naquele dia eu sabia que estava encarnando o arquétipo da ruiva de lábios carnudos que vai "roubar" o seu marido e, enquanto estava na Força, me senti conectada com as adúlteras, as ladras, as prostitutas, as que abortaram e foram castigadas por isso... eu cantava canções cheias de tristeza bonita ressignificada, e liberdade, e cura. Cantava por mim e pelas minhas irmãs que tiveram tanto sofrimento e mortes horríveis, cantava por saber que muitas vezes eu fui a mulher que "roubou" o homem, e deixou uma outra mulher com o coração despedaçado, e também porque muitas vezes eu fui a mulher com o coração despedaçado.

Enquanto cantava, eu também explicava para as minhas irmãs que nas vezes em que fui a ruiva de lábios carnudos que leva embora seu homem, vira sua vida de pernas para o ar, era como se eu fosse uma força da natureza agindo porque você pediu. Você queria aquela renovação na sua vida, aquelas experiências, aquela dor. Mesmo quando isso terminou de forma muito trágica, como em uma das minhas vidas: eu era uma xamã linda e poderosa, minha Chama um homem casado, com filho, que me (re)conhece, se apaixona por mim e larga a família para viver comigo. A mulher enlouquece e se mata, o filho fica cheio de rancor e raiva do pai, eu e a Chama somos perseguidos por soldados, que matam a Chama com uma flechada pelas costas, eu tenho um acidente com os cavalos, rolo ribanceira abaixo, estou muito machucada mas poderia me curar, entretanto não quero mais viver. Definho alguns dias na beira do rio, e morro. Sozinha e inconformada, cheia de revolta.

Minhas escolhas de ponto de vista, em que busco um não julgamento, me levam a concluir que tudo isso foram escolhas. Minhas, da Chama, da esposa e do filho da Chama.

"Meu Deus, por que alguém escolheria experimentar tanto sofrimento???"

Eu acho que é porque a dor também são experiências, e na dor aprendemos coisas que a felicidade não pode nos oferecer.

Meu guia espiritual diz que eu vivi vidas "fáceis", plenas de amor e felicidade, e depois falei "ok, acho que já saboreei o que podia das vidas assim. Agora quero experimentar a dor".

Sou birdwatcher. Já fotografei em vários países, mas as piores condições foram no Brasil, Amazônia, Tocantins. Mesmo sendo expedições cheias de mordomias, ainda exigia acordar de madrugada, em alguns dias às 4h, passar o dia de camisa de manga longa, calça, botas pesadas, chapéu, repelente, suando, atenta a possíveis carrapatos, tomando picadas de insetos mesmo com o repelente. Horas dentro de um veículo sem ar condicionado, sacolejando em estradas esburacadas. Alimentação precária, sem banheiros, tendo que fazer xixi no matinho. E colegas que tiveram dor de barriga por motivos diversos, tendo que defecar no mato. Às vezes caminhadas longas, muitas vezes levando baile das aves que estávamos atrás.

"Meu Deus, por que alguém escolhe passar por tanto sofrimento???"

Pois é, juro que não é porque sou masoquista ;) E milhões de pessoas no mundo fazem escolhas desse tipo, para atividades diversas.

Eu também gosto de fotografar em comedouros de pousada, de shorts, camiseta, descalça, tomando uma cerveja, um suco gelado, alternado entre fotografar e às vezes dar um mergulho na piscina. Mas você já deve ter imaginado que as coisas que eu fotografo nas expedições não são as mesmas que eu vejo no quintal da pousada.

Estava conversando com uma amiga muito querida, e que às vezes chora pensando em como as dores dela afetaram pessoas próximas, inclusive aquelas que a gente mais ama, aquelas que a gente desejaria nunca machucar.Ela não acredita em reencarnação, ou pelo menos não fez essa escolha de querer acreditar no mundo sob essa ótica.

Falei para ela sobre escolhas de alma, mas acabei de pensar em outra coisa que talvez traga algum alento.

Eu e meus dois irmãos fizemos faculdades públicas, sempre fomos alunos excelentes, nunca demos trabalho pros meus pais. Meu terceiro irmão não completou o primeiro grau, e aprontou um monte de coisas. Ele era o irmão que meu pai surrava.

Esse meu irmão vive uma vida precária hoje, em que a gente ajuda a sustentar ele, a namorada, os dois filhos da namorada. Mas meu outro irmão sempre acha que a gente faz pouco, que tínhamos que fazer mais.

Enquanto eu era casada e tinha mais dinheiro (mas pretendo voltar a ser rica), ofereci para pagar terapia pra ele, ele não quis. Pagamos alguns cursos profissionalizantes, um ele abandonou, teve outro que ele disse que ia fazer mas só embolsou o dinheiro.  

Numa das conversas com esse irmão que acha que a gente não faz nada, falei pra ele "Você está julgando a vida do Fulano pelos nossos parâmetros, achando que pra ser feliz tinha que ter feito faculdade, ter comprado uma casa, ter emprego em empresa. Esse não é o caminho do Fulano. Ele não quer, ele fez outras escolhas. Ele ia para a tal chácara do irmão da Fulana, e pescava o peixe que ele ia comer no almoço, e está tudo bem pra ele. Claro que ele ia querer ter mais dinheiro, mas ele não quer ter que viver as responsabilidades que uma pessoa precisa assumir se ela quer outro estilo de vida".

O Fulano, com dinheiro, faz as coisas mais irresponsáveis. Compra cachorro de raça, a namorada compra cosméticos e bolsas caras, compram celulares caros. Sendo que eles não têm dinheiro para pagar o aluguel -- eu e meus dois irmãos que pagamos, e muitas vezes se dizem sem dinheiro pra pagar a luz, pra comprar gás. Mesmo quando eu era rica, eu não dava dinheiro pra eles. Tinha oferecido pra pagar terapia, mas dinheiro, eu via o que eles faziam. Já minha mãe e meus irmãos pensam diferente, e sempre ajudaram... a meu ver essa ajuda extra financeira era dinheiro pelo ralo e que só alimentava a postura irresponsável deles.

Meu irmão ficou pensativo sobre o que eu falei. Não sei se concordou ou não, mas pelo menos considerou.

Felicidade. Vida bem sucedida. Ter dado certo na vida.

Quem somos nós pra julgar? Quero dizer, eu sou do tipo "vós sois deuses", mas neste caso, acredito que no geral temos uma visão enviesada. A gente enxerga os outros sob determinados parâmetros, esquecendo que nossa visão de mundo são apenas nossas escolhas, e não verdades universais.

Eu acredito que tudo que as pessoas estão vivendo são as escolhas delas, que tudo que vivi foram as minhas escolhas. Por exemplo, eu não tenho filhos. Para uma pessoa que considera maternidade algo fundamental, eu seria a mulher que não deu certo na vida.

Antes de aderir à crença de que tudo são escolhas, o sistema que mais me fazia sentido era algo perto do niilismo. Troquei pelo poder do subconsciente, por acreditar que todo mundo tem a centelha divina dentro de si e está criando o próprio script.

O tempo todo vemos pessoas boas morrendo de câncer, AVC, acidentes. Violências diversas contra inocentes, inclusive crianças. Vemos as notícias sobre outros que faturam milhões com a miséria dos outros. Pensando nesses termos, olha como meu ponto de vista é interessante:

  • ou a vida não tem sentido algum
  • ou então a alma é imortal e tudo que vivemos são experiências, que cada pessoa escolhe viver

Pra mim o Deus onipotente era uma opção que me trazia muita revolta e desgosto. Mas quando assumi o "vós sois deuses", "eu criei o script", "eu escolhi e estou experimentando, sorvendo, vivenciando" -- isso me trouxe muita serenidade.

Na sessão desta semana com a Silvana, pedi para meu guia me falar de vidas em que fui muito feliz. Em uma delas eu era a favorita de um homem poderoso no Egito. Fui a primeira e a favorita, ele teve várias outras no harém mas eu tive o prazer de uma vida toda sendo reconhecida como a top :) Amante, mãe, conselheira. Mulheres mais jovens e mais bonitas chegavam, eu continuava sendo a favorita.

"Esse homem é alguém que eu conheço?"

"Não. Depois dessa vida vocês decidiram ir viver outras experiências, não se encontraram mais".

Sabe quantas vidas de amor e felicidade plena eu tive com a minha Chama Gêmea? Quer dizer, uma das, tenho várias, mas neste caso quando falo Chama, é o tal que está saindo do buraco agora.

Zero. Nenhuma. A gente nunca teve uma vida em que pudemos viver plenamente nosso amor. Tenho várias histórias em que a gente se reconhece imediatamente, mas sempre tinha algum empecilho. Teve uma vida em que tínhamos a mesma faixa etária, não éramos irmãos, não éramos casados com outras pessoas, não éramos dois homens, eu não tinha um dono que me mataria se eu ficasse com outro homem. Nessa vida, poderíamos ter ficado juntos, mas ele escolheu a mulher ao meu lado e me ignorou.

Saí dessa sessão com a Silvana totalmente desnorteada.

Contei a história pra ele, e perguntei "Por que você escolheu a Marcie em vez de mim?"

Entenda... eram histórias que eu contava pra ele, ele não tinha obrigação nenhuma de saber responder algo assim. Mas ele é tão fofo que inventou uma resposta "você era a mais linda e a mais incrível, e podia ter quem você quisesse. Mas se eu não escolhesse a Marcie ela ficaria se sentindo com o coração despedaçado e eu ficaria com muita culpa".

Foi algo que ele inventou na hora, mas combina muito com a estrutura mental de que ele tem que se libertar se quiser ficar comigo. Esse negócio de acreditar em culpa, em sacrificar a própria felicidade para manter os outros em redomas artificiais de satisfação.

Depois de ter ouvido a história do Egito, voltei a pensar em uma possibilidade que já tinha me ocorrido.

Eu, e outras pessoas que vivem histórias tão sofridas para conseguir viver a plenitude do seu amor, talvez sejamos almas muito antigas que já experimentaram tanta coisa. É fácil viver feliz. Mas depois de viver algumas milhares de vidas, a gente escolhe um jogo mais elaborado.

No meu caso, por exemplo, posso acreditar que eu e a Chama escolhemos passar por várias vidas de desencontros, para sorver essas experiências. Porque a vida em que dá tudo certo logo de cara talvez desse essa sensação de "ok, já sei como é, tchau, vou experimentar outros sabores agora".

Não acredito na necessidade de dualidades, mas entendo a dinâmica da gangorra da polarização. É um dinamismo que talvez seja inevitável para as escolhas da alma. Vivemos um tempo na plenitude da felicidade, e daí começamos a sentir um tédio, uma vontade de viver outras experiências. Daí vamos experimentar o difícil e o sofrido, toca ter algumas centenas de vida sendo estuprada, assassinada, traída. Ok, já experimentei bastante da dor, agora chega, quero saber de novo como é ser espetacularmente sortuda e feliz.

Isso parece divertido, não? Eu não consigo ter certeza se isso é verdade, mas com certeza pensar numa hipótese dessas é MUITO mais legal do que niilismo, castigos divinos, karma negativo, mistérios indecifráveis.

Minha hipótese também combina com a ideia de que tudo está sujeito a ação do tempo, tudo está em movimento constante.

Irmã querida, espero que essas palavras possam ajudar de alguma forma a tirar esse peso das suas costas. Entendi que você não se sente culpada, mas não devia nem ficar triste, nem uma lágrima. Eu acho que a tal pessoa que te preocupa ou já é bem feliz, ou está no caminho da sua felicidade. Pior cenário: se estiver num caminho de dor, acredite, é uma escolha, é porque ela quer e precisa daquilo. E você deve honrar a autonomia, a individualidade dessa pessoa, suas escolhas.

A gente sempre deseja o melhor pra quem a gente gosta... a meu ver, não tem nada de errado em mentalizar imagens em que essa pessoa está rindo, feliz, satisfeito, fazendo as coisas de que ele mais gosta. Acredito que pensar coisas boas, e conversar com o outro com essa energia de "eu acredito em você, eu confio em você, nas suas capacidades de fazer o que você quiser, o que você escolher", é assim que a gente pode ajudar.

Um beijo com muito carinho.

----------

Fonte da imagem: https://br.pinterest.com/pin/472103973442957738/

Postagens mais visitadas deste blog

Como se tornar uma pessoa linda e gostosa -- fácil, rápido e barato

Carta a um jovem homem inseguro na sua aproximação de garotas

Alguns truques de sedução que aprendi com meus amigos psicopatas