Caminhos da vulnerabilidade II - para as pessoas com dificuldade de enxergar que perfeccionismo e excelência são grilhões
Eu te agradeço de coração pelas coisas que você me escreveu e falou agora, elas me ajudam de verdade nas minhas reflexões -- e sempre acho que não há coincidências. Assim como você me ajuda, vou tentar expor algumas reflexões que quem sabe te ajudem também.
Eu entendi o que você está falando, e de certa forma lido com isso. O tal cara que eu denomino Chama Gêmea, minha suposição (porque só tive uma relação online) é de que ao vivo seria como você descreve a relação com o seu marido. Minha Chama é a pessoa com quem consigo me abrir e contar o que não conto pros outros, com que me sinto acolhida e amada como não me senti com ninguém.É muito fácil me abrir com ele, inclusive pra falar grandes absurdos que eu não falaria pra mais ninguém.
Entretanto, imagino que não preciso argumentar qual é o problema de só ter uma pessoa de confiança, suponho que você reconhece a enorme, gigantesca fragilidade de se contar com UMA única pessoa.
Você é muito inteligente. As pessoas inteligentes sabem que são inteligentes e capazes, e é uma vaidade que sempre dá para se conectar. A gente chama pra conversa o lado inteligente, genial da pessoa, chama o Psicopata que quer ter o domínio do jogo e não se sentir por baixo, chama o Esquizoide que se entender a questão consegue se curar sozinho, e quem sabe as coisas poderão fazer sentido pra você a ponto de você achar que vale a pena mudar.
1 - É uma enorme fragilidade ter apenas uma pessoa para se abrir e confiar.
2 - Você sabe que isso causa muitas situações de merda que nosso subconsciente fica criando para tentar suprir os aspectos sufocados da personalidade.
3 - Você é muito inteligente, você tem 30% de Esquizoide, você só precisa entender, e saberá executar.
Entre suas várias leituras, você já leu textos de antropologia? Mesmo que não tenha lido, você tem consciência sobre diferenças culturais entre os povos.
Se você for para o Japão e esperar que as pessoas se comportem como gente dos Estados Unidos, da Itália, você viverá em conflito o tempo todo. Não é uma questão de baixar suas expectativas, ou sobre o que o outro pode ou não pode suprir. E sim a beleza de realmente nos abrirmos para:
- Reconhecer e aceitar de coração que outras pessoas podem ser como uma outra cultura.
- Entender que aquilo que a gente acha que precisa dos outros pode ser uma armadilha e uma prisão.
Por exemplo, suponha que você gosta de franceses, e acha que só gostaria de ter contato com franceses, e se irrita no contato com os indianos porque pensa que só os franceses prestam e podem te dar o que você precisa. Até que um dia se permite realmente conhecer um indiano, e descobre muitas coisas divertidas que você nem imaginava existir.
Estou falando pra você e pra mim. Eu também passei por um período achando que só a tal da Chama Gêmea é que realmente me entendia, me acolhia, me compreendia, me supria, me nutria. Mas nessa postura, eu me fecho para o mundo, para o novo, para o inesperado.
Somos muito inteligentes, certo? Tenho certeza de que com alguns pequenos ajustes, a gente sai da postura burra de encontrar um escocês e se decepcionar porque ele não é um aborígene australiano. É preciso que a gente consiga se conectar com as pessoas pelo que elas são, não pelo que a gente acha que elas tinham que nos dar.
Você falou sobre os seus pais. Você está fazendo exigências da sua versão idealizada do que é ser pai ou mãe. Mas isso é só uma fantasia da sua cabeça.
Acho que a primeira vez que minha mãe me falou que eu sou bonita, eu tinha mais de 30 anos. E minhas lembranças de infância são dela falando que meu cabelo é feio e escorrido, que meu rosto é grande demais. Se eu julgar minha mãe pelo quesito "mãe de verdade é aquela que mima a filha", eu viveria infeliz com a minha mãe. Mas minha mãe tem um monte de outras qualidades, e me ama e me trata bem de várias outras formas. No quanto ela trabalha para cuidar de tudo, nas coisas que ela abriu mão da vida dela quando foi mãe, na forma como se preocupa com a minha vida. Esse é o jeito dela de amar. É o jeito dela. O meu desejo que ela me falasse você é uma menina linda, seu cabelo é lindo, não sei importe com os tontos que tiram sarro de você na rua eles não sabem de nada, eu sou sua mãe e sei muito mais do que eles -- isso é uma fantasia minha, entende?
A gente vive muitos mundos de fantasia. Mas somos inteligentes, e somos capazes de entender os momentos em que as fantasias atrapalham nossa felicidade.
Seus pais te abrigaram durante uns meses, mesmo depois de você ter saído de casa, certo? Quando você pediu abrigo, as portas estavam abertas pra você. Você sabe que isso não é obrigação, que você como adulta, eles poderiam ter te falado "não, se vira, vai procurar um lugar, vai alugar uma casa". Eles te deram abrigo, comida. E não era obrigação deles. Imagino que sua mãe fazia o almoço, o jantar. É uma das formas de demonstrar amor.
A gente tem que ser capaz de olhar para as pessoas, realmente enxergar, sem as expectativas do que a gente queria que elas fossem, e sim aceitando o que elas são, sendo capazes de enxergar a beleza do que elas têm. E todas têm belezas e qualidades.
Você já fez os tais exercícios que eu proponho, que falei tanto, que escrevo tanto? Você cuida com carinho da sua lista de qualidades? Você tem tirado selfies, inclusive fotos sensuais, para se ver como alguém linda? Daquela lista de tarefas, você tem cumprido o que combinamos?
Tem muita dureza dentro de você, no rigor que você julga os outros. E sabe o que isso significa?
Que você é extremamente dura com você mesma. Que você não dá respiro pra você mesma.
Esse rigor que você descreveu, sobre riscar um nome da agenda por algo pequeno indica um coração muito duro. E isso não me surpreende, porque a forma como você falou de você, das plásticas que você precisa fazer, pra mim elas combinam com esse conflito de brigar com você, se ver com muita dureza, e quem se julga com esse rigor não tem como ter outra relação com as outras pessoas.
Eu acredito de verdade que a origem de muitos, talvez de todos os nossos problemas, seja a falta do amor-próprio. Aquele dia houve uma tensão na nossa conversa quando você falou que autoaceitação era um discurso para os outros, mas que pra você não funcionava porque você é impecável.
A gente pode discutir dezenas de outros assuntos, vamos sempre ficar presos nessa lama que é o fato de que você ainda não consegue se amar e se aceitar.
Não é que eu ache que uma mulher não pode fazer procedimentos estéticos, até mesmo plástica. Mas lembra da nossa conversa por vídeo, quando falei do risco de "bom agora, que eu fiz tal coisa, preciso dar um jeito no queixo, agora é nas bochechas, agora é nas coxas, agora posso retocar o nariz..." Eu acho que você sentiu que há um risco pra você, que você já leu muito sobre o tema e teria uma lista de intervenções pra fazer no seu corpo. É uma insatisfação sem fim. Não tem como ser feliz se a gente vive brigando com o próprio corpo, porque nós também somos esse corpo.
Esse olhar duro sobre os outros, sobre as expectativas do que os outros precisam cumprir pra serem amigos de verdade, tudo isso tem origem na falta de amor por você mesma, de falta de compaixão por você mesma.
Quando a gente passa a se amar mais, a verdadeiramente se amar, cada centímetro do seu corpo -- como eu te falei quando a gente sabe que até lá é bonito -- a gente se torna muito mais generosos com a gente mesmo e com os outros.
Esta conversa que estamos tendo agora, acredito que ela poderia se repetir quanto a diversos outros temas. Sinto uma dureza generalizada sobre todo mundo: o julgamento dos seus pais, da fulana, dos amigos, dos que você tentou ser amigos, da fase ruim com seu marido.
Se todo mundo é ruim e tem defeitos tão graves, você pode concluir que é uma pobre coitada muito azarada e que só topa com pessoas horríveis.
Ou você pode desconfiar que o problema está dentro de você.
E eu acho que seu problema tem tudo a ver com a não aceitação do seu corpo. Achei um sinal preocupante aquela conversa em que você falou que autoaceitação é só para os outros, mas que você é impecável e essa é sua qualidade e diferencial. Se você continuar acreditando nisso, acho que não tem o que satisfaça seu padrão do quanto você tem que ser boa e você continuará nessa roda de sofrimento.
A Oralidade é o traço capaz de experimentar coisas novas. Isso inclui se relacionar com pessoas sem seguir o padrão de perfeição da Rígida de como o outro deve agir e como você deve agir, o que é motivo para imediatamente cortar o nome de alguém da lista.
A Oralidade exige mais experimentação, mais aventura, mais riscos, mais incertezas.
Você é linda. Uma mulher linda, talentosa, inteligente, cheia de talentos. Seja capaz de olhar pra você com mais carinho e generosidade. Reprograme sua mente, tire fotos de você, com seu marido, fotos sensuais, produza imagens em que você aparece como uma mulher linda e feliz e isso vai ajudar a limpar todas as merdas que já te falaram no passado, e que você permitiu que te doesse porque você tinha essas fragilidades.
Se quiser uma sugestão de terapeuta, eu mudaria seu foco por enquanto. Essa conversa de agora me mostrou que suas questões de amor-próprio são mais graves e exigem atenção. Meu conselho é de que nos próximos 21 dias, você não se preocupe em tentar cultivar amizades, e sim se foque em você. Todos os dias:
- Tirar selfies.
- Se possível nudes ou no mínimo fotos sensuais.
- Escrever sobre você. Como um diário, vai passar pelo menos 1h por dia escrevendo seja reflexões, memórias, ou fantasia, ou desejos para o futuro.
- Crie um cardeninho de novidades, toda semana você terá que fazer algo novo, que você ainda não tinha feito, seja para experimentar uma comida nova, ler sobre algo novo, conhecer um lugar novo, fazer algo que em geral você não fazia, reparar que você viveu algo que nunca tinha vivido. Essas ações vão te ajudar a se manter mais consciente do novo na sua vida. A tendência de quem não valoriza a Oralidade é buscar perfeição e excelência, coisas que são difíceis de se ter quando você faz algo pela primeira vez, e a perfeição e excelência também bloqueiam sua intuição, sua fruição. Você tem que ser capaz de fazer coisas sem ter certeza por que está fazendo. Escrevo mais sobre isso depois.
Pelo menos duas vezes por semana ter tempo de qualidade com o seu marido, combine um tempo pra vocês ficarem juntos e explique que é uma terapia, que você precisa se sentir paparicada. Diga se você quer ser elogiada com palavras, com carinhos, se quer que ele veja você dançar e te elogie. Cada dia pode ser algo diferente, é um tempo para massagear seu ego. E ofereça o mesmo pra ele também, combine o que você poderia fazer por ele que o deixaria muito feliz.
Monte painéis no Canva.com. Na página Quem sou tem exemplos dos painéis que eu montei com fotos minhas. Crie uma conta, monte fotos suas. Inclusive, uma ideia: monte painéis com desejos pro futuro. Você tem esse desejo de conhecer Paris, pegue fotos de Paris, monte um painel com fotos suas, você e seu marido, jantar a luz de velas, passeio, piquenique. E depois você usa esses painéis como um arquétipo, como uma imagem que vai te ajudar a concretizar um sonho. Mas essa tarefa é secundária, é só se você se sentir com tempo sobrando, e te ajudar a se sentir mais animada. O foco é em você, se amar mais, se admirar mais, enxergar mais da sua beleza e dos seus dons.
Pode parecer bobo, mas acredite em mim: tenho certeza de que muda sua programação cerebral, que mexe com seu subconsciente.
Se quiser pode ir me mostrando as fotos, posso comentar algo.
Beijos com muito amor.
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