"Quem é você?" e ritual da limpeza do armário
No meu curso de O Corpo Explica tem um homem bonito que eu fui com a cara dele desde os primeiros dias no grupo do Facebook. Logo soube que ele também era bruxo, tentei extrair algumas informações, teria feito algo que eu realmente não entendo por que os bruxos amadores como eu não fazem com mais frequência, que é trocar. Faça algo do que você sabe pra mim, eu faço algo por você. A gente conversou um pouco, mas ele se manteve reservado. Ou talvez alguém possa dizer que ele agiu de forma normal, e eu que sou dada demais em algumas situações.
De uns tempos para cá a gente passou a conversar mais, passei o link do Kalista e tenho recebido uns retornos muito generosos. Ele tem me contado como alguns textos são como uma paulada, que deixaram-no muito pensativo. E ontem ele mandou uns comentários fofos demais, que começavam com "Quem é você? Estou impressionado" -- e o emoji de rios de lágrimas. Ele é uma figura.
Estou começando a acumular tarefas, então vou combinar ações. Escrever para o blog é prioridade, mas também tenho uma lição de casa do curso de xamanismo, que a princípio era limpar o armário de roupas. O professor explicou que é uma ação para treinar o desapego, entender como tem tantas coisa que a gente mantém mas que não usamos mais, não nos servem mais, são inúteis mas ficam lá ocupando espaço, impedindo a renovação.
Eu não tenho mais armário, nem casa. Essa faxina geral fiz uns meses atrás. Falei da minha situação, ele sugeriu limpar email, arquivos do computador, mas senti que para mim não adiantava muito, porque não tem questões de apego, de estar ocupando espaço, não teria o mesmo efeito. Mas pensei em algo imaterial que me parece combinar com o espírito da tarefa xamânica, de coisas inúteis que a gente guarda, ocupam espaço e impedem a renovação. E o comentário do meu amigo me inspirou.
Quem é você?
Uma amiga me contou que a analista de quem ela mais gostou é uma mulher que começou a sessão com essa pergunta. Acho que minha amiga ainda não era calejada em terapeutas, não tinha a dica de que sempre que terapeuta e faz uma pergunta que parece óbvia, é pegadinha. Ela começou a falar "Meu nome é tal, sou filha de fulano e sicrana, minha profissão é"... e a mulher interrompeu.
"Não. Não foi isso que eu perguntei. Eu quero saber quem é você".
Ela tentava outra formulação, e continuava sendo interrompida.
"Não. Não é isso que eu quero saber. Eu quero saber quem é você".
Essa minha amiga saiu da sessão totalmente desnorteada "Eu não sei quem eu sou".
Antes de continuar a resposta, vou dar outro macete de terapeutas (porque eu já passei por váaarios): provavelmente não tinha nada que essa minha amiga pudesse responder que seria a resposta certa. A função da sessão era simplesmente provocar esse estado de choque e consternação, em que a pessoa percebe o quanto tudo que ela pensa e fala sobre si é industrializado, artificial, marretado. Talvez mesmo que ela esculhambasse "eu sou um unicórnio cor de rosa que se peida estrelas azuis", acho que a terapeuta continuaria perguntando "quem é você".
Eu já vi isso em público num retiro de meditação, era enervante pra caramba. Não lembro a pergunta exata, mas tudo que o cara respondia o terapeuta cortava, desprezava, tirava sarro. Acho que a pergunta era "você existe?".
Eu falo pra todo mundo sobre a lista de qualidades, que seria um extrato do "Quem é você?". Posso com facilidade citar pedaços da minha lista. Mas tenho uma lição de casa xamânica, e te convido a fazer o mesmo: revisitar seu armário de crenças sobre quem é você, e descobrir o que você não usa mais e está só ocupando espaço, prejudicando a renovação.
Comecei faz mais de um ano, mas posso dar um exemplo claro. Já fui uma pessoa que defendia, com todo ardor e competência da minha eloquência, o direito das pessoas ficarem sozinhas. Em minha defesa, posso dizer que vários anos atrás os conceitos de introversão e extroversão eram pouco divulgados, parecia que todo mundo que não era extrovertido tinha problema e precisava de psiquiatra, ou então era um tímido que precisava desabrochar.
Passei vários anos blogando sobre o tema, e recebia mensagens muito bonitas de gente que agradecia bastante pelas minhas palavras, como era bom saber que gostar de ficar sozinho não é sinônimo de problema.
Hoje eu sei que existem as pessoas que, para usar as palavras do O Corpo Explica, precisam mais de caverna, e outras que precisam mais de palco. Mas minha eloquência ultrapassava isso, eu falava com orgulho sobre o quanto é bom ficar sozinha.
Entretanto, o fato é que eu não gosto de ficar sozinha. Ou melhor dizendo, eu realmente preciso ter momentos só meus, e é fácil ficar sem ver pessoas. Mas eu não gosto de me sentir sozinha, eu gosto de e preciso ter companhias. Não do jeito como os extrovertidos precisam, do agito, das festas. Mas eu preciso da companhia das pessoas de quem eu gosto muito, e que gostem muito de mim.
Eu já tinha uma noção disso, a querida Silvana já havia me falado que meu guia espiritual mandou eu parar de ser a líder de um grupo de pessoas que usavam uma máscara de Pierrot.
Então esta é uma das roupas que eu não quero mais no meu armário: não quero o casaco pesado e cinzento do "sou auto-suficiente, não preciso de ninguém, gosto de ficar sozinha".
Ainda não tenho certeza, mas provavelmente troquei pelo vestido colorido do "adoro conversar com pessoas queridas, rir com pessoas queridas. Se não fosse a pandemia, estaria encontrando ao vivo, dando (colo inclusive) e deitando no colo, trocando abraços e carinho".
Outra peça da qual estou tentando me livrar com todas as forças é o sobretudo de "eu gosto de coisas difíceis. Eu gosto do que é difícil e complicado, quando é fácil não tem valor".
Gente. Eu falei isso tantas vezes que acabei me apaixonando por homens difíceis e complicados, que combinavam perfeitamente com a minha estrutura mental.
Acho que eu fazia isso porque durante muitos anos eu valorizei demais a dor. Desde a adolescência prestava atenção nos personagens sofridos, que conseguiam imprimir um significado nobre para suas dores e me identificava totalmente. Criei uma estética para a dor, para o sofrimento, para a dificuldade. Transformei a dor em algo belo.
Tenho plena consciência de que isso é Arte :)
Mas como bruxa, declaro ao Universo com toda a sinceridade: chega dessa merda.
Não quero mais ser uma artista da morte, da dor, do sofrimento, da dificuldade.
Provavelmente um outro motivo para eu valorizar o difícil era uma vaidade e insegurança de querer provar para os outros e para mim que eu eu posso, eu consigo, eu aguento. Esse é o principal traço da minha personalidade, segundo a análise do O Corpo Explica. O masoquismo, não o sexual, ainda que eu também tenha o sexual, mas o masoquismo no sentido do The Endurer, aquele que aguenta.
Eu aguento muito e adorava exibir para os outros meu sobretudo cheio de marcas de guerra, de quem já passou por muita coisa, de quem aguentou o que ningém mais aguentaria. Vivi a princesa sofrida, mais de 7 meses o cara me ignorando, fazendo aquela coisa horrível de falar de vez em quando, mas não ser capaz de dizer "não quero mais nada com você", parecia que nossa relação tinha acabado, eu implorava pra ele falar "então diga que não quer mais nada comigo", e nada só silêncio... Ele não conseguia assumir que gostava de mim, e também não conseguia dizer que não queria nada.
Sete meses dessa merda. Mas consegui sair da autopiedade do "olha o que ele fez comigo", para o 100% de responsabilidade de "olha o que eu fiz comigo".
Mas sabe o que é engraçado? Nossa relação não acabou, não fechei a porta e joguei a chave fora. Não sinto raiva dele, se um dia ele finalmente conseguir sair da auto-armadilha que ele fez pra ele, dessa ilusão de labirinto, eu vou querer pelo menos tomar um café com alguém que já foi tão importante pra mim, por quem ainda é tão fácil chorar. Mas tenho plena consciência de que sofri porque quis, porque achava bonito sofrer, pagar de mártir, porque achava que aprendia coisas com o sofrimento -- e aprendi mesmo.
Mas simplesmente não quero mais esse sobretudo cheio de marcas de guerra, não quero mais a história de Orfeu e Eurídice, da princesa sofrida abnegada que vai atrás do seu amor até mesmo no inferno.
Troco meu sobretudo por um vestido de festa. Aliás, pode ser até um que já apareceu em uma visão que eu tive com esse cara: vestido de lurex dourado escuro, manga longa mas vestido curto e justo todo fechado na frente e com um decote enorme nas costas. Se um dia eu encontrar um vestido assim, espero poder comprar, apareceu com tanta clareza em uma das visões.
Não quero mais ser alguém que ostenta histórias de sofrimento e superação, pelo contrário, quero ser uma sortuda pra quem tudo flui com tanta facilidade que parece mentira.
Acho que de certa forma já comecei. O cara do Tantra que me diverte tanto foi assim: não foi com dificuldade e sofrimento, foi uma grande marmelada. Coloquei por escrito o que queria, ele apareceu no mesmo dia. Não tenho certeza da parte concreta... apesar dele ser do poliamor, acho que ele vive uma relação de poliamor hierárquico, em que você tem uma parceira principal, as outras são secundárias. Nunca falei disso com ele, mas acho que às vezes rola um certo conflito emocional do envolvimento e entrega. Dias de silêncio, outros em que ele se permite se expressar mais, e jorra. Mas é lindo como essa oscilação não me abala. Isso é outra aspecto da magia que compartilharei em breve. Você já deve ter ouvido falar sobre vibrar na miséria ou na abundância. Não foi fácil, mas acho que consegui entender, e hoje raramente sintonizo na miséria. E gostaria de ajudar outras pessoas a chegarem nessa vibe também.
Este texto poderia ficar mais quilométrico ainda, mas acho que com duas peças de roupa, já deu para entender bem o exercício xamânico do ritual do armário.
Casacos pesados e sobretudos são peças que ocupam bastante espaço. Elas te protegem mas também te escondem, não deixam que as pessoas vejam sua pele. Não favorecem a vulnerabilidade.
Quem é você?
Sou uma mulher que adora se sentir vivendo no espetacular, com muita conexão com gente querida. Dizem que fui bruxa, sacerdotisa e xamã em muitas vidas, e que quase todas foram de muita dor e sofrimento. Talvez seja só um simbolismo para as várias violências que atraí pra mim mesma desde a infância. Vivi minha vida atrás de muros emocionais, bancando a durona, porque não queria chorar na frente dos outros. Quando eu tiro a armadura de gente eficiente, fria e sem coração, sobra uma garotinha de formas macias e fofas capaz de chorar só com um olhar de bondade.
Não sou auto-suficiente, não gosto de viver sozinha, não gosto mais do diícil e complicado.
Eu gosto do que é fácil, fluido, mágico. Quero uma vida orientada pela leveza e alegria.
Minha vida toda, pessoas diferentes me compararam a fenômenos naturais. Terremotos, Vulcões em erupção, tempestades, tempestade de areia, de vento. Tempestade em copo d´água. Usavam isso como elogio ou como crítica, dependia da situação. Hoje eu entendo que o que há de constância é o drama quando estou na dor e ou quando a pessoa é insensível. E a intensidade.
Pra quem entende do OCE, minha Oralidade + Masoquismo somam quase 60%. Foi um dos comentários bonitos do meu amigo do curso, eu nem tinha mostrado meu gráfico mas pelo teor da conversa ele falou "Meu Deus, como você é intensa".
Sou uma mulher intensa, com muita energia de vida. A combinação dos meus dons me torna uma pessoa marcante e inesquecível, nem sempre de uma forma apenas positiva. Meu Psicopata (não o do OCE, mas o cara por quem fui tão apaixonada) acabou comigo, ou melhor, eu permiti haver essa situação que me quebrou tanto e depois teve um desenrolar tão incrível. Mas tenho certeza de que eu também sou uma cicatriz linda no peito dele.
Eu sinto saudade do meu Psicopata, e vou usar duas imagens que ele me deu:
- eu sou a ferida na boca. Presente, irritante, não uma dor pungente mas algo que você não consegue esquecer -- no caso, era a situação de querer ser um homem fodão no controle de tudo, mas que de repente se via na situação de ficar pensando em mim mesmo quando não queria.
- Também sou deusa sanguinolenta mimada, exigindo desses homens frios e sem coração sacrifício de sangue, que eles sejam capazes de falar dos sentimentos, de abaixar a armadura... quem sabe até resgatar o coração da caixinha da mamãe e colocar de volta no peito, para bater junto com o meu.
Também sou succubus. Esta imagem quem me deu foi a Chama Gêmea, outro dia faço um post sobre o assunto.
Sou tantas coisas. Mas atualmente, quero consolidar a imagem de ser alguém que teve um início de vida um pouco atípico, mas que hoje sabe se divertir bastante com isso. Agora há pouco estava numa conversa tão boa com o cara do Tantra, não vou dar detalhes mas digamos que eu li na linguagem corporal que ele estava bem irritado e frustrado, e falei que era uma pena a gente estar longe, porque seria fácil resolver isso. Essa combinação de sentimentos agressivos com energia sexual em geral desemboca no abuso e violência, mas graças ao meu começo de vida atípico, tenho umas conexões neurológicas com potencial de ser uma parceira rara e incrivelmente deliciosa e divertida. Elas me permitem tratar situações tensas com muito mais leveza e recursos.
Falando em português claro, eu tenho uma energia sexual muito grande e talvez uma parte disso venha do abuso que sofri na infância. Mas não quero a roupa de dor e sofrimento, não quero um casaco pesado, velho e feio, quero um vestido de festa. Não vou negar ou dizer que quero esquecer, pelo contrário, vou mastigar, engolir, processar, tomar posse. Eu sofri o abuso, tem partes indigestas e medonhas, e tem outras que vou transformar em prazer e diversão. Como ser o sonho de mulher que quando você está irritado, frustrado ou bravo com algo, sua parceira resolve ou meno pelos ameniza da forma mais deliciosa possível.
Sou uma mulher rara e fabulosa, cheia de energia de vida. Para usar as palavras da Chama querida, eu sou como um sopro de ar em lugares abafados, eu apareço como mágica na vida das pessoas.
Eu sou o vento, o vulcão, a tempestade, o rio, a loba, o falcão, a bruxa, a succubus, a sacerdotisa, a donzela, a mãe. Dizem que na maioria das minhas vidas morri jovem, mas nesta pretendo saber que e ser a anciã também.
Sou tantas coisas.
Por hoje está bom, espero ser o suficiente para a aula de xamanismo de hoje.
Quer fazer o exercício também? Não precisa ser objetivo ou exaustivo, apenas lembre-se de com alguma regularidade responder esta pergunta.
Quem
é
você.